|Assim repito o nome e sinto ainda o incêndio no rosto :|| paul celan |Porque é com nomes que alguém sabe | onde estar um corpo| por uma ideia, onde um pensamento | faz a vez da língua.| herberto helder
junho 29, 2016
PLAY Neu! | Hallogallo (1972)
HELIAN
Nas horas solitárias do espírito
É bom caminhar ao sol
Ao longo dos muros amarelos do verão.
Leves ecoam os passos na erva; mas o filho de Pã
Dorme sempre no mármore cinzento.
À noite, no terraço, embriagámo-nos com vinho castanho.
Vermelho arde o pêssego na folhagem;
Doce sonata, alegre riso.
Belo é o silêncio da noite.
Na planície negra
Encontramo-nos com pastores e estrelas brancas. (...)
HELIAN
In den einsamen Stunden des Geistes
Ist es schön, in der Sonne zu gehn
An den gelben Mauern des Sommes hin.
Leise klingen die Schritte im Gras; doch immer schläft
Der Sohn des Pan im grauen Marmor.
Abends auf der Terrasse betranken wir uns mit braunem Wein.
Rötlich glüht de Pfisich im Laub;
Sanfte Sonate, frohes Lanchen.
Schön ist die Stille der Nacht.
Auf dunklem Plan
Begegnen wir uns mit Hirten und weißen Sternen. (...)
Georg Trakl (1887-1914) | Outono Transfigurado | Assírio & Alvim | 1992 | Tradução João Barrento
HELIAN
Nas horas solitárias do espírito
É bom caminhar ao sol
Ao longo dos muros amarelos do verão.
Leves ecoam os passos na erva; mas o filho de Pã
Dorme sempre no mármore cinzento.
À noite, no terraço, embriagámo-nos com vinho castanho.
Vermelho arde o pêssego na folhagem;
Doce sonata, alegre riso.
Belo é o silêncio da noite.
Na planície negra
Encontramo-nos com pastores e estrelas brancas. (...)
HELIAN
In den einsamen Stunden des Geistes
Ist es schön, in der Sonne zu gehn
An den gelben Mauern des Sommes hin.
Leise klingen die Schritte im Gras; doch immer schläft
Der Sohn des Pan im grauen Marmor.
Abends auf der Terrasse betranken wir uns mit braunem Wein.
Rötlich glüht de Pfisich im Laub;
Sanfte Sonate, frohes Lanchen.
Schön ist die Stille der Nacht.
Auf dunklem Plan
Begegnen wir uns mit Hirten und weißen Sternen. (...)
Georg Trakl (1887-1914) | Outono Transfigurado | Assírio & Alvim | 1992 | Tradução João Barrento
junho 26, 2016
©raquelsav | Junho 2016 |
(Em)quanto te elevas e um fio e um rasto e os deuses moribundos e cansados. E tu sobes em montanhas inclinadas de ouro e há luz e há luz. E os deuses fazem-se morros e as montanhas precipitam-se e o ouro e a luz voam como pássaros pelas escarpas. Jazem rochas cristalinas e élitros de besouro imóveis para te ver passar. E sobes e sobes e a montanha desce. (Em)quanto te elevas e um fio e um rasto e um silêncio. (Em)quanto te elevas e um mundo a ficar pequeno.
junho 24, 2016
junho 22, 2016
junho 15, 2016
PLAY Teho Teardo + Blixa Bargeld | The Beast
"-Então não é bom ser-se bom? - perguntou ao irmão, com um brilho nos olhos semelhante ao de uns dias antes, ao manipular as condecorações do pai de um modo que provavelmente não seria visto como bom por toda a gente.
-Tens razão - respondeu ele com vivacidade. - É preciso realmente formar de novo uma frase como essa para lhe sentir o sentido original! Mas as crianças ainda gostam de ser boas, como gostam de gulodices...
- Mas também de ser más - completou Agathe.
- MAs será que ser bom é uma das paixões dos adultos? - perguntou Ulrich. - É um dos seus princípios! Não são bons, porque isso lhes soaria infantil, mas praticam o bem. Um homem bom é aquele que tem bons princípios e pratica boas acções: mas isso não impede - e este é um segredo sem segredos - que possa ser a mais repugnante das pessoas!
- Como o Hagauer - finalizou Agathe.
- Há nessas pessoas boas um paradoxo absurdo: transformam a situação em exigência, a graça em norma, o ser em objectivo. Nesta família dos bons só se comem restos durante toda a vida, enquanto corre o boato de que em tempos houve um dia festivo do qual todos descendem! É certo que de tempos a tempos aparecem algumas virtudes que se tornam moda, mas assim que isso acontece elas perdem logo a frescura.
- Uma vez disseste que uma acção pode ser boa ou má, dependendo do contexto - inquiriu Agathe.
Ulrich concordou. A sua teoria era a de que os valores morais não são grandezas absolutas, mas conceitos funcionais. Mas quando nos pomos a moralizar e a generalizar arrancamo-los ao seu todo natural.
- E provavelmente é esse o ponto em que, no caminho da virtude, alguma coisa está errada - disse ele.
- Se não fosse assim, como é que os moralistas podiam ser tão aborrecidos - continuou Agathe - , quando o seu propósito de serem bons devia ser a coisa mais deliciosa, difícil e divertida que se possa imaginar?
O irmão hesitou. Mas de repente saiu-lhe a afirmação que em breve os iria levar a uma relação inusitada.
- A nossa moral - explicou - é a cristalização de um movimento interior completamente diferente dela. Nada do que dizemos faz sentido. Pensa numa frase qualquer, ocorre-me, por exemplo, esta: ‹‹Numa prisão deve imperar o arrependimento!›› É uma frase que se pode pronunciar com a melhor das consciências, mas ninguém a toma à letra, senão estávamos a pedir o fogo do inferno para os encarcerados! Como é que a entendemos, então? Há com certeza muito poucos que saibam o que é o arrependimento, mas todos dizem onde ele deve imperar. Ou então pensa em algo exaltante: como é que isso se mistura com a moral? Quando é que estivemos com o rosto tão mergulhado no pó que isso nos faça sentir a bem-aventurança do arrebatamento? Ou então toma à letra uma expressão como ‹‹ser assaltado por um pensamento››: no momento em que sentisses no corpo tal contacto já estarias no limiar da loucura! Cada palavra quer então ser lida na sua literalidade para não degenerar em mentira, mas não podemos tomar nenhuma à letra, sob pena de o mundo se transformar num manicómio! Há uma qualquer grande embriaguez que se eleva daí sob a forma de uma obscura recordação, e de vez em quando imaginamos que todas as nossas experiências são partes soltas e destruídas de uma antiga totalidade que um dia se foi completando de maneira errada.".
Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento
20
A minha vida não é esta hora inclinada
em que a apressar-me vês.
Sou uma árvore sobre o meu fundo desenhada
sou apenas uma das minhas bocas já calada
quando chegada foi a sua vez.
Sou silêncio que entre dois sons circula
que um ao outro mal se habituam
pois o som da morte quer levantar-se...
Mas nesse sombrio intervalo vêm reconciliar-se
ambos a tremer.
E a canção a embelezar-se.
Mein Leben ist nicht diese steile Stunde
darin du mich so eilen siehst.
Ich bin ein Baum vor meinem Hintergtude,
ich bin nur einer meiner vielen Munde
und jener, welcher sich am frühsten schließt.
Ich bin die Ruhe zwischen zweien Tönen,
die sich nur schlecht aneinander gewöhnen:
denn der Ton Tod wil sich erhöhn -
Aber im dunklen Intervall versöhnen
sich beide zitternd.
Und das Lied bleibt schön.
Rainer Maria Rilke (1875 -1926) | O Livro de Horas | Assírio&Alvim | 2009 | Trad. M. T. Dias Furtado
junho 14, 2016
![]()
| |
Esta elegia lenta de corpo em ferida.
Este poema de despojos, lido em voz alta.
Esta voz que ouvimos, como quem nos beija.
Esse primeiro beijo, nesse primeiro poema.
Esse primeiro poema, nessa voz que nos beija.
E nós, humanos, a sermos humanos.
junho 08, 2016
***
viver no sítio da fábrica. a fonte que regressa para si mesma..... o coração paga o fígado.
.....says the infant. vou morrer muito em breve. enterra no chão os palhaços que voltam a pôr-se sempre em pé.
que seja este indivíduo um rebanho, que continuando a caminhar, começava a pastar sobre outros corpos. os sócios que trabalham segundo o método bola de neve.
quantas refeições podes tu tomar hoje à noite......... sem ser esmagado pelos próprios progressos. os sobredotados entre as vítimas
........ paisagens de expectativas, consultáveis como um jardim da frente. reconhecemos nelas o incêndio florestal, e, por baixo, lençol de água.
o seu brilho é a sua didática....... uma lei governamental regulamenta o próximo.
quando vezes podes ir dormir esta noite. a thousand years.
***
auf dem werksgelände leben. die in sich zurücklaufende quelle..... das herz zahlt die leber.
says the infant. ich werde sehr bald sterben.... bringe die stets wieder aufstehenden clowns in den boden ein.
...dieses individuum sei eine herde, die, indem sie weiterzog, auf anderen körpern zu grasen begann. die nach dem schneeballsystem arbeitenden gesellschafter.
wie viele mahlzeiten kannst du heute abend einnehmen...... ohne von den eigenen fortscritten erdrückt zu werden. die hoechbegabten unter den opfern.
landschaften aus erwartung..... einsehbar wie ein vorgarten. wir erkennen darin den waldbrand, darunter das grundwasser.
ihr leuchten ist ihre didaktik.... das nähere regelt ein bundesgesetz. wie häufig kannst du heute abend schlafen gehen. a thousand years.
Daniel Falb (1977- ) |VERSschmuggel [contrabando de VERSOS] | Aurélie Mauri/Thomas Wohlfahrt | Wunderhorn- Editora 34 - Sextante Editora | 2009
7
Se ao menos uma vez tudo fosse silêncio de improviso.
Se o acidental e o impreciso
emudecessem e o riso ao lado,
se o ruído aos meus sentidos habituado,
não me perturbasse tanto o estar acordado:
então poderia em múltiplo pensamento
pensar-te até ao extremo do teu isolamento
e possuir-te (apenas enquanto um sorriso dura),
para te ofertar a toda a viva criatura
como agradecimento.
Wenn es nur einmal so ganz stille wäre.
Wenn das Zufällige und Ungefähre
verstummte und das nachbarliche Lachen,
wenn das Geräusch, das meine Sinne machen,
mich nicht so sehr verhinderte am Wachen -:
Dann könnte ich in einem tausendfachen
Gedanken bis an deinen Rand dich denken
und dich besitzen (nur ein Lächeln lang),
um dich an alles Leben zu verchenken
wie einen Dank.
Rainer Maria Rilke (1875 -1926) | O Livro de Horas | Assírio&Alvim | 2009 | Trad. M. T. Dias Furtado
"-De resto - continuou -, quanto mais velho fico, mais vezes me acontece ter odiado uma coisa que mais tarde, e por outras vias, acaba por seguir na mesma direcção do meu próprio caminho, de modo que de repente já não posso negar-lhe o direito à existência; ou então acontece descobrirem-se os lados negativos de ideias ou acontecimentos nos quais antes me empenhei. Se virmos as coisas a uma escala maior, parece então indiferente entusiasmarmo-nos, e o sentido para que orientamos esse entusiasmo. Tudo tem o mesmo fim, e tudo está sujeito a uma evolução que é impenetrável e infalível."
"Qualquer hábito humano, quando é desenvolvido até ao extremo, traz em si a semente da mudança, e toda a excitação que ultrapasse a rotina logo se cobre de um véu de tristeza, de absurdo e de excesso".
Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento
junho 05, 2016
junho 02, 2016
Passado a limpo
Foi-se a esperança
de que pudesse ser minha outra coisa
além da secretária em que
a vida se transforma em papel
Assim discretamente a mão faz
perder tudo o que é real
Inscrevo, desescrevo, circunscrevo-
-te até seres só pó de escrita.
Abgetippt
Die Hoffnung ist vorbei
etwas anderes könnte mein sein
als ein Schreibtisch an dem sich
das Leben verwandelt in Papier
So unter der Hand geht alles
verloren was wirklich ist
Ich schreib dich ein und aus und um
bis du zerschrieben bist.
Ulla Hahn (1988) | A sede entre os limites| Relógio D'Água | 1992 |Trad. João Barrento
Foi-se a esperança
de que pudesse ser minha outra coisa
além da secretária em que
a vida se transforma em papel
Assim discretamente a mão faz
perder tudo o que é real
Inscrevo, desescrevo, circunscrevo-
-te até seres só pó de escrita.
Abgetippt
Die Hoffnung ist vorbei
etwas anderes könnte mein sein
als ein Schreibtisch an dem sich
das Leben verwandelt in Papier
So unter der Hand geht alles
verloren was wirklich ist
Ich schreib dich ein und aus und um
bis du zerschrieben bist.
Ulla Hahn (1988) | A sede entre os limites| Relógio D'Água | 1992 |Trad. João Barrento
Residência
Queres viver comigo onde
as nuvens lançam raízes e o
número de mortos é certo para sempre
nunca nenhuma casa lá se ergueu.
Vorgeschrieben
Wohnen willst du mit mir da
wo die Wolken wurzeln und die
Zahl der Toten fest steht für immer
stand da noch nie ein Haus
Ulla Hahn (1988) | A sede entre os limites | Relógio D'Água | 1992 |Trad. João Barrento
Queres viver comigo onde
as nuvens lançam raízes e o
número de mortos é certo para sempre
nunca nenhuma casa lá se ergueu.
Vorgeschrieben
Wohnen willst du mit mir da
wo die Wolken wurzeln und die
Zahl der Toten fest steht für immer
stand da noch nie ein Haus
Ulla Hahn (1988) | A sede entre os limites | Relógio D'Água | 1992 |Trad. João Barrento
©Auguste Rodin |
Quem sabe se me ergo.
Levanta apenas ao de leve o rosto
Para que, chovendo eu,
Quase te pareçam lágrimas tuas.
Se te assolar a minha tempestade,
coloca-te, direita, frente ao meu vento;
fecha as pálpebras ao meu sopro,
fica cega
desse simples ver-me
Oh erhöhe mich nicht!
Wer weiß, ob ich rag.
Heb nur leise dein Angesicht,
daß dir mein Niederschlag
fast wie dein eigenes Weinen sei.
Stürmt meine Stärke an dir vorbei,
stelle dich aufrecht in meinen Wind;
schließe die Lider vor meinem Wehn,
sei blind
vor lauter Mich-sehn.
Rainer Maria Rilke & Auguste Rodin | Momentos de Paixão | Relógio D'Água | 2004 | Trad. José Miranda Justo
junho 01, 2016
![]() |
©Cartier Bresson | Srinagar, Kashmir | 1948 |
Gelassen schau ich diesen Himmel an.
Natur. Natürlich fallen mir Vergleiche ein.
Ein Alpenveilchentöpfchen könnt es sein
was hochhinaus am Horizont erglüht.
Es ist mir trotzdem kalt. Die Wiesen weiß
vereist. Die Sonne schwach. Auf Autodach
fiel Schnee und auf die Felder fallen
strenge Metaphern ohne Reim herein.
Die Krähen schrein. Natürlich ziehn
sie schwirren Flugs zur Stadt. Wer
keine Heimat hat schaut sich
den Himmel an.
Nesta Terra
Serena olho para este céu. Natureza.
Naturalmente as comparações vão ocorrer.
Um vaso de violetas dos Alpes podia ser
aquilo que se ergue em fogo no horizonte.
Apesar disso tenho frio. Os prados brancos
gelados. O sol fraco. No tejadilho do carro
caiu neve e sobre os campos caem
rigorosas metáforas sem rima.
As gralhas gritam. Naturalmente voam
em voo vibrante para a cidade. Quem
não tem pátria olha
para o céu.
Ulla Hahn (1988) | A sede entre os limites| Relógio D'Água | 1992 |Trad. João Barrento
Vorgeschrieben
Diese Sehnsucht
dich beim Namen zu nennen
Diese Angst
dich beim Namen zu nennen
Diese Sehnsucht
Wort zu halten
Diese Angst
nur Wort zu halten
Diese Sehnsucht nach einem Leben
das kein Gedicht wird
Diese Angst vor einem Gedicht
das ein Leben vorwegnimmt.
Pre-scrita
Esta saudade
de te chamar pelo nome
Este receio
de te chamar pelo nome
Esta saudade
de manter a palavra
Este receio
de apenas manter a palavra
Esta saudade de um vida
que não dê em poema
Este receio de um poema
que antecipe uma vida.
Ulla Hahn (1988) | A sede entre os limites| Relógio D'Água | 1992 |Trad. João Barrento
Diese Sehnsucht
dich beim Namen zu nennen
Diese Angst
dich beim Namen zu nennen
Diese Sehnsucht
Wort zu halten
Diese Angst
nur Wort zu halten
Diese Sehnsucht nach einem Leben
das kein Gedicht wird
Diese Angst vor einem Gedicht
das ein Leben vorwegnimmt.
Pre-scrita
Esta saudade
de te chamar pelo nome
Este receio
de te chamar pelo nome
Esta saudade
de manter a palavra
Este receio
de apenas manter a palavra
Esta saudade de um vida
que não dê em poema
Este receio de um poema
que antecipe uma vida.
Ulla Hahn (1988) | A sede entre os limites| Relógio D'Água | 1992 |Trad. João Barrento