março 31, 2016

 


Grant Morrison (autor) e Dave Mckean (ilustrador)
Asilo Arkham, Edições Devir, Dez 2004




Grant Morrison (autor) e Dave Mckean (ilustrador)
Asilo Arkham, Edições Devir, Dez 2004




Grant Morrison (autor) e Dave Mckean (ilustrador)
Asilo Arkham, Edições Devir, Dez 2004
"Cubro com fita o espelho do estúdio.

A gargalhada pára.

E eu regresso às minhas deambulações rituais.

Os meus movimentos pela casa tornam-se tão formais como um Ballet e sinto que me tornei 
parte vital de algum processo biológico incompreensível.

Esta casa é um organismo, faminto de loucura.

É o labirinto que sonha.

E eu estou perdido"

Grant Morrison (autor) e Dave Mckean (ilustrador)
Asilo Arkham, Edições Devir, Dez 2004

Grant Morrison (autor) e Dave Mckean (ilustrador)
Asilo Arkham, Edições Devir, Dez 2004



Grant Morrison (autor) e Dave Mckean (ilustrador)
Asilo Arkham, Edições Devir, Dez 2004

"É por isso que uns dias ele é um palhaço infantil e outros um assassino psicopata. Ele não tem uma verdadeira personalidade.
Cria uma nova todos os dias. O Joker vê-se como o mestre do desengano e o mundo é o seu teatro absurdo. Nós... AHHH!"



"Teste de Rorschach, Dra. Ruth? A senhora sabe como eu adoro o teste de Rorschach!

Bem. Estou a ver dois anjos a foderem na estratosfera. Uma constelação de buracos negros. Um processo biológico para além da compreensão humana. Um ventríloquo judeu fechado no porta-bagagens de um Chevrolet vermelho."

Grant Morrison (autor) e Dave Mckean (ilustrador)
Asilo Arkham, Edições Devir, Dez 2004

março 30, 2016

HYPERIONS SCHICKSALSLIED

Ihr wandelt droben im Licht!
   Auf weichem Boden, selige Genien!
        Glänzende Götterlüfte
            Rühren euch leicht,
                Wie die Finger der Künstlerin
                    Heilige Saiten.

Schicksallos, wie der sclafende
    Säugling, atmen die Himmlischen;
         Keusch bewahrt
            In bescheidener Knospe,
                Blühet ewig
                    Ihnen der Geist
                        Und die seligen Augen
                            Blicken in stiller
                                Ewiger Klarheit.

CANÇÃO DO DESTINO DE HYPERION

Andais lá em cima na luz
   Em chão macio, génios venturosos!
        Ares divinos resplendentes
            Vos tocam de leve,
                 Como os dedos da artista
                    Cordas sagradas.

Sem destino, como dormente
    Menino, respiram os deuses;
         Pudicamente guardado
            Em casto botão,
                Eternamente
                    Lhes floresce o Espírito,
                        E os olhos felizes
                            Olham em serena
                                Claridade eterna.

Hölderlin (1770 - 1843)
Poemas, Relógio d'Água, 1991

©Leonard Freed  | New York City, USA, Little Italy, 1955

PLAY Joy Divison | Atmosphere

Walk in silence,
Don't walk away, in silence.
See the danger,
Always danger,

Endless talking,
Life rebuilding,
Don't walk away.

Walk in silence,
Don't turn away, in silence.
Your confusion,
My illusion,

Worn like a mask of self-hate,
Confronts and then dies.
Don't walk away.

People like you find it easy,
Naked to see,
Walking on air.
Hunting by the rivers,

Through the streets,
Every corner abandoned too soon,
Set down with due care.
Don't walk away in silence,
Don't walk away.

março 29, 2016

março 28, 2016

Señoritas

©Nuno Carvalho

março 24, 2016


PLAY Madredeus | O mar "Saudade"

Aconteceu perdermos o chão e,
no palco ermo,
inventarmos uma forma de voar.

Agora somos animais aéreos 
sem terra que pisar.

BEGEGNUNG
Vom  überhängenden Baum
mit Namen
rief ich den wütenden Fisch.
Ich schrieb um den weißen Mond
eine Figur, geflügelt.
Aufträumt ich des Jägers Traum
es beschlafe ein Wild.

Gewölk zieht über dem Strom,
das ist meine Stimme,
Schneelicht über den Wäldern,
das ist mein Haar.
Über den finsteren Himmel
kam ich des Wegs,
Gras im Mund, mein Schatten
lehnte am Holzzaun, er sagte:
Nimm mich zurück.       

ENCONTRO
Da árvore vergada
chamei
pelo nome o peixe irado.
Tracei à volta da luz branca
uma figura, alada.
Veio-me o sonho do caçador
que sonha cobrir a presa.

Castelos de nuvens sobre o rio,
é a minha voz,
luz de neve sobre as florestas,
é o meu cabelo.
Pelo céu sombrio
cheguei,
erva na boca, a minha sombra,
encostada à cerca de madeira, disse:
Leva-me de volta.
        
Johannes Bobrowski (1917 - 1965) | Como um respirar - antologia poética | 1990 | Edições Cotovia |Tradução João Barrento
©Gerard Castello Lopes
PLAY Chico Buarque | Construção

março 22, 2016


© L U D M I L A • Y I L M A Z
PLAY Pergolesi | Stabat Mater

Invisível cor-de-mãe
sobre a parede que te ergue.
Notas pintadas
que não sabes tocar.
Mecânica mão
com que ensaias a vida.
Resignada boca
das sobras do pão;
da cabeça;
do peito:
a comida-de-ninguém.

E assim amas,
(em)quanto te olvidas!
"Ele ensinava as leis da gravidade, produzia prova sobre prova, mas só encontrava orelhas moucas. Elevou-se então nos ares e ensinou as leis, pairando - agora já acreditavam nele, mas ninguém se admirou quando ele não regressou do ar."

Paul Celan
Arte Poética - O Merediano e outros textos, 1996, Cotovia
(Tradução de João Barrento)
fotograma de Stalker (1979) | Tarkovsky
"É tudo mentira. Estou-me nas tintas para a inspiração. Como posso saber o nome daquilo que quero? Como posso saber que, no fundo, não quero o que quero? Ou que, digamos, não quero de facto o que não quero? São coisas efémeras, basta dar-lhes um nome, e perdem o sentido. Este derrama-se como uma água viva ao Sol. A minha consciência quer a vitória do vegetarianismo sobre o mundo, mas o meu subconsciente morre por um bife suculento. E eu? O que eu quero? Dominar o mundo, no mínimo. "
“Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre é impassível e duro. Quando uma árvore nasce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; a flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá…”
 
"Grosso modo, não existem factos, muito menos aqui. Tudo isto é uma invenção idiota de não-sei-quem. (...) Você, claro, quer saber quem foi o inventor. Mas para quê? De que lhe valerão os conhecimentos? A quem doerá a inconsciência? A mim? Não tenho consciência, só os nervos...
Um canalha maldiz-me, uma ferida... Outro canalha elogia-me, outra ferida. Ofereço a alma e o coração, devoram-me a alma e o coração. Tiro uma vileza da minha alma, devoram a vileza. São todos muito entendidos! Todos com a fome de sensações. Todos se agitam à minha volta: jornalistas, redactores, críticos, meretrizes sem conta... Todos exigem: mais, mais! Que raio de escritor sou eu, se odeio escrever? Se, para mim, é um martírio, um suplício, uma vergonha, como se estivesse a arrancar hemorróidas?
Dantes, pensava que os meus livros iriam fazer alguém melhor. Mas ninguém precisa de mim! Quando morrer, passados dois dias, começam logo a devorar outro. Esperava mudá-los, mas mudado acabei por ser eu! À imagem e semelhança deles!
Dantes, o futuro era apenas a continuação do presente. Transformações vislumbravam-se muito longe, no horizonte. Agora, porém, o futuro e o presente fundiram-se. Estarão eles prontos para isto? Não querem saber de nada! Apenas devoram!"
"E dizem-se intelectuais, escritores, cientistas! (...) Não acreditam em nada! Têm atrofiado o órgão da crença. Não o usam! (...) Têm os olhos vazios! Só pensam em não pagar mais, em vender-se por mais dinheiro! Querem que todo o trabalho de espírito lhes seja pago. Sabem que não nasceram em vão, que são predestinados! Que só vivem uma vez! Claro que não acreditam seja no que for! (...) Ninguém acredita, não só esses dois. Ninguém! Quem hei-de eu seguir? O pior é que ninguém precisa deste Quarto. Todos os meus esforços são inúteis! (...) Não levarei mais ninguém." 


fotograma de Stalker (1979) | Tarkovsky 
 

março 20, 2016

"Também a beleza de um ser humano não é feita de coisas específicas e comprováveis, mas daquele mágico não-sei-quê que chega mesmo a tirar partido de certos pequenos defeitos; e também a bondade e o amor, a dignidade e a grandeza de um ser são quase independentes daquilo que ele faz, conseguem mesmo tornar nobre tudo o que ele faz. Na vida, e de uma forma misteriosa, o todo ultrapassa as partes."

Robert Musil (1880-1942)
O Homem sem Qualidades, Dom Quixote, 2014 (4.ª Ed.)
(Trad. João Barrento)
ES IST NICHT MEHR
diese

zuweilen mit dir
in die Stunde gesenkte
Schwere. Es ist
eine andre.

Es ist das Gewicht, das die Leere zurückhält,
die  mit-
ginge mit dir. 

Es hat, wie du, keinen Namen. Vielleicht
seid ihr dasselbe. Vielleicht
nennst auch du mich einst
so.  

JÁ NÃO É
esta 
pesadez por vezes
afundada contigo até à 
hora. É
uma outra.

É o peso que detém o vazio
que te a-
companharia.

Como tu, não tem nome. Talvez
sejais um e o mesmo. Talvez
um dia também tu me chames
assim.  

Paul Celan
Sete Horas Mais Tarde, 1996, Edições Cotovia
(Tradução João Barrento e Y. K. Centeno)

março 19, 2016

©Jheronymus Bosch
pormenor de Tentações de Santo Antão
1505 d.C. - 1506 d.C.

" VI
Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que é loiro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de Princesas e de Fadas;

Falo às gaivotas de asas dobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar.
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
De onde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço."

Florbela Espanca (1930)
Charneca em Flor [in Sonetos de Florbela Espanca], 1990, Ulisseia

março 17, 2016

©Ben Benowski

FADENSONNEN
über der grauschwarzen Ödnis.
Ein baum-
hoher Gedanke
greift sich den Lichtton: es sind
noch Lieder zu singen jenseits
de Menschen.

SÓIS DESFIADOS
sobre o deserto cinzento-negro.
Um pensamento alto-
-como-árvore
capta o tom da luz: ainda
há canções para cantar do outro lado
dos homens.

Paul Celan
Sete Horas Mais Tarde, 1996, Edições Cotovia
(Tradução João Barrento e Y. K. Centeno)

Results of the novel’s analysis, which produced a shape identical to pure mathematical multifractals

LER Scientists Discover That James Joyce’s Finnegans Wake Has an Amazingly Mathematical “Multifractal” Structure

março 16, 2016

EINE HUND
Der Tisch, aus Stundenholz, mit
dem Reisgericht und dem Wein.
Es wird
geschwiegen, gegessen, getrunken.

Eine Hund, die ich küßte,
leuchtet den Mündern.


UMA MÃO
A mesa, feita da madeira das horas, com
o prato de arroz e o vinho.
Em silêncio
comemos e bebemos.

Uma mão que eu beijei
alumia as bocas.

Paul Celan
Sete Horas Mais Tarde, 1996, Edições Cotovia
(Tradução João Barrento e Y. K. Centeno)

março 14, 2016

[#7] palimpsesto

- Utopia.
- Disseste alguma coisa?
- O que é utopia?
- Vai ao dicionário ou pergunta ao More.
- A sério, o que é utopia?
- Eu sei que é a sério. Nunca te vi a brincar.
- Então, diz lá.
- Lá, si, dó.
- Falaste em utopia - explica.
- Utopia é amares uma ideia.
- Amaste uma ideia?
- Não percebo o teu espanto: é mais fácil amar uma ideia do que uma pessoa.
- Não sei se concordo.
- Quero lá saber se concordas! Uma ideia é uma formulação sobre a realidade. A realidade, o concreto, é o que é.
- Amar-te como a ti mesma?
- Levo muito a sério a dica de amar o próximo- sou o mais próximo de mim que consigo arranjar.
- Isso não é um tédio?
- Não, se a utopia alimentar o que em ti desconheces. É isso que te faz amá-la.
- Deve ter sido a definição de amor mais egoísta que alguma vez ouvi.
- E, no entanto, deve ter sido a mais realista que conheceste.
- Realista? Amar uma utopia?

Ambos bebemos do riso.

- Usaste o verbo no passado, no outro dia.
- Não ligo nada a tempos verbais. Tudo o que existe é presente.
- P r e s e n t e- o que vem depois do passado e antes do futuro.
- Não, o concreto é presente. E não acho que exista uma relação de ordem no tempo tão definida como me querem fazer acreditar.
- Então, andamos todos enganados?
- Não quero saber o que os outros acham. Digo-te que só é possível viver no presente e que passado e futuro são sinónimos no meu dicionário.
- Como se o sentido não importasse!
- O sentido, como o tempo,  é uma invenção, interessa aos Números Reais e pouco mais. Além disso, gosto mais de Números Complexos,  descrevem melhor a realidade. Por isso não têm relação de ordem.
- Detesto quando falas coisas que eu não alcanço.
- Só disse que os Números Complexos são mais reais dos que os Reais porque, além dos Reais, englobam neles os Números Imaginários. Para captarmos, com um mínimo de rigor, a complexidade da realidade precisamos de muitas ferramentas imaginárias.
- Já estás a divagar.
- Nem pensar. Raciocínio dedutivo no seu melhor!
- Pensa comigo: andar para trás é passado e andar para a frente é futuro. É simples, tens de concordar!
- Andar para trás ou para a frente é não estar parado e só isso interessa.
- Então, presente é estar parado?
- Sim. O presente é a velocidade instantânea, e o futuro e passado a velocidade média, uma aproximação ilusória.
- Por isso é que o presente é uma utopia?
- Sim.  Quando o tempo pára, quando nada mais existe, é quando nós podemos e sabemos amar.
- Então, só é possível amar uma realidade paralela?
- Não. Só é possível amar uma utopia. Somos demasiado fracos para amar o que nos incomoda. E a realidade incomoda-nos.
- Então, preferes amar um imaginário belo?
- Não é por ser belo. É por ser único. Amei, amo e amarei um presente único que se prolonga, que se estende sem sentido - tão cheio de belo como de horrível. Onde um incómodo é pretexto de entrega. E não é de todo imaginário, ainda que viva numa ideia.
- Uma utopia, portanto.
- Sim, uma concreta e absurda utopia.
EINE ART VERLUST

Gemeinsam benutzt: Jahreszeiten, Bücher und eine Musik.
Die Schlüssel, die Teeschalen, den Brotkorb, Leintücher und ein Bett.
Eine Aussteuer von Worten, von Gesten, mitgebracht, verwendet, verbraucht.
Eine Hausordnung beachtet.Gesagt. Getan. Und immer die Hand gereicht.

In Winter, in ein Wiener Septett und in Sommer habe ich mich verliebt.
In Landkarten, in ein Bergnest, in einen Stand und in ein Bett.
Einen Kult getrieben mit Daten, Versprechen für unkündbar erklärt,
angehimmelt ein Etwas und fromm gewesen vor einem Nichts,

(- der gefalteten Zeitung, der kalten Asche, dem Zettel mit einer Notiz)
furchtlos in der Religion, denn die Kirche war dieses Bett.

Aus dem Seeblick hervor ging meine unerschöpfliche Malerai.
Von dem Balkon herab waren die Völker, meine Nachbarn, zu grüßen.

Am Kaminfeuer, in der Sicherheit, hatte mein Haar seine äußerste Farbe.
Das Kingeln an der Tür war de Alarm für meine Freude.

Nicht dich habe ich verloren
sondern die Welt.

 
UMA ESPÉCIE DE PERDA

Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissémos. Fizémos. E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.

Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo. 
       

Ingeborg Bachmann (1953)
O tempo aprazado,  1992 , Assírio&Alvim
(Tradução Judite Berkemeier e João Barrento)