março 22, 2016

fotograma de Stalker (1979) | Tarkovsky
"É tudo mentira. Estou-me nas tintas para a inspiração. Como posso saber o nome daquilo que quero? Como posso saber que, no fundo, não quero o que quero? Ou que, digamos, não quero de facto o que não quero? São coisas efémeras, basta dar-lhes um nome, e perdem o sentido. Este derrama-se como uma água viva ao Sol. A minha consciência quer a vitória do vegetarianismo sobre o mundo, mas o meu subconsciente morre por um bife suculento. E eu? O que eu quero? Dominar o mundo, no mínimo. "
“Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre é impassível e duro. Quando uma árvore nasce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; a flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá…”
 
"Grosso modo, não existem factos, muito menos aqui. Tudo isto é uma invenção idiota de não-sei-quem. (...) Você, claro, quer saber quem foi o inventor. Mas para quê? De que lhe valerão os conhecimentos? A quem doerá a inconsciência? A mim? Não tenho consciência, só os nervos...
Um canalha maldiz-me, uma ferida... Outro canalha elogia-me, outra ferida. Ofereço a alma e o coração, devoram-me a alma e o coração. Tiro uma vileza da minha alma, devoram a vileza. São todos muito entendidos! Todos com a fome de sensações. Todos se agitam à minha volta: jornalistas, redactores, críticos, meretrizes sem conta... Todos exigem: mais, mais! Que raio de escritor sou eu, se odeio escrever? Se, para mim, é um martírio, um suplício, uma vergonha, como se estivesse a arrancar hemorróidas?
Dantes, pensava que os meus livros iriam fazer alguém melhor. Mas ninguém precisa de mim! Quando morrer, passados dois dias, começam logo a devorar outro. Esperava mudá-los, mas mudado acabei por ser eu! À imagem e semelhança deles!
Dantes, o futuro era apenas a continuação do presente. Transformações vislumbravam-se muito longe, no horizonte. Agora, porém, o futuro e o presente fundiram-se. Estarão eles prontos para isto? Não querem saber de nada! Apenas devoram!"
"E dizem-se intelectuais, escritores, cientistas! (...) Não acreditam em nada! Têm atrofiado o órgão da crença. Não o usam! (...) Têm os olhos vazios! Só pensam em não pagar mais, em vender-se por mais dinheiro! Querem que todo o trabalho de espírito lhes seja pago. Sabem que não nasceram em vão, que são predestinados! Que só vivem uma vez! Claro que não acreditam seja no que for! (...) Ninguém acredita, não só esses dois. Ninguém! Quem hei-de eu seguir? O pior é que ninguém precisa deste Quarto. Todos os meus esforços são inúteis! (...) Não levarei mais ninguém." 


fotograma de Stalker (1979) | Tarkovsky