- Deus só podia estar muito entediado.
- No dia em que foste concebida?
- Tens uma piada. Não! No dia em que inventou este lugar.
- Porquê?
- Porquê? Ainda perguntas porquê? Ele só pode ter inventado a Conservatória do Registo Civil no intervalo entre a criação do herpes e das hemorróidas.
- Só tu!
- Só eu? Já deste conta do tempo que passou?
- Para ser franco, não. Deixas-me escrever?
- Desculpa, eu calo-me.
- No dia em que foste concebida?
- Tens uma piada. Não! No dia em que inventou este lugar.
- Porquê?
- Porquê? Ainda perguntas porquê? Ele só pode ter inventado a Conservatória do Registo Civil no intervalo entre a criação do herpes e das hemorróidas.
- Só tu!
- Só eu? Já deste conta do tempo que passou?
- Para ser franco, não. Deixas-me escrever?
- Desculpa, eu calo-me.
PFuuuu - suspiro fundo e longo de tédio, esclareça-se- Há quem escreva. Eu prefiro pensar. Quantas correntes de pensamento interrompo com o acto da escrita? Escrever é uma forma de atrasar o pensamento. Musil cria a figura de um bibliotecário que nunca leu um livro mas que sabe tudo sobre os milhares de livros que organiza - importante é ter uma ideia geral, diz, lê-lo seria perder-se no seu conteúdo. Possivelmente, também ao pensamento interessa a ideia geral. Compreendê-lo seria pará-lo, esmiuçá-lo, perder a sua forma, em detrimento de um micro-contorno, impedi-lo de andar. E escrever é sempre uma forma de compreender o pensamento. Mas uma coisa é certa, o André escreve que se desunha. Adoro quando posso aplicar a palavra desunha numa frase, quase tanto como resvalar.
- A sério, desunha?
- Esqueço-me do teu dom. Isso funciona a quantos metros de distância?
- Quanto mais perto melhor. Queres experimentar sentar-te ao meu colo?
- Ao teu colo? Na Conservatória?
- Era um bom título para um filme pornográfico.
- Pois eu não acho que o disfarce de funcionária da Conservatória tenha grande interesse.
- E o que é que tem interesse, para ti?
- Muita coisa.
- Diz lá.
- Depenar patos com parafina.
- O quê?
- Estou a pensar como é que se depenam patos com parafina. Será que se banha o pato por inteiro ou se borrifa o bicho de parafina?
- Não faço ideia, mas se acendesses o isqueiro ficava depenado e tostado de uma vez só.
- Acho que não percebes nada de depenar patos.
- Pois não, eu só sei depenar mentes.
- No teu colo?
- O pato?
- Sim, o pato.
- Mas por que te interessa depenar patos com parafina?
- A mim? Nada! Eu até sou vegetariana.
- Acho que não percebes nada de depenar patos.
- Pois não, eu só sei depenar mentes.
- No teu colo?
- O pato?
- Sim, o pato.
- Mas por que te interessa depenar patos com parafina?
- A mim? Nada! Eu até sou vegetariana.