abril 19, 2016

#1

Não sei como aguardar, nesta urgência de inédito. Também eu gostaria de gritar a liberdade, mas há sempre uma linguagem que sustém os nossos medos. No forro da frustração, guardamos o grunho que queremos emitir. Com ele, a fronteira da nossa humanidade.  Mas nem sempre somos assim tão capazes. Tão predispostos a baixar o nosso preço.  Por isso, nos referimos em terceira pessoa, como se uma ligeira precaução doseasse a linguagem que nos toca.

Negociamos mais cem palavras. E, ao desbarato, compramos cinco mil pelo preço de uma. Mas fazemos mau negócio. Só o descobrimos quando fechamos a porta de casa. Quando sentimos aquele vazio pela compra inútil que fizemos, tão compulsivamente. São somente palavras, concluímos, palavras que não sabemos usar. São palavras sem ideias. Lamentamos a energia que gastámos a tentar compreendê-las.

Um dia, enchi-me de coragem e vesti a camisola. Nela  trazia escrito, preto no branco (ou branco no preto, não sei): "troco mil palavras por uma ideia". Mas o melhor que consegui, até hoje, foi um sorriso e uma proposta indecente, imoral. Aceitei os dois, sem reservas. E voltei a vestir a camisola. Sempre nos foi dito que temos de saber vestir a camisola. E eu não entendo nada de moda. Não entendo nada desta ânsia de se desnudar para mostrar o vazio.

Nesta época de crise, em pura economia de palavras, não sei por que nos demos ao diálogo extensivo. Mas ainda questiono a natureza do nosso encontro, meramente ocasional, dizemos. Assim respiramos melhor, sem atropelos. Não sei, um encontro e mais de mil palavras trocadas, não deveria ser coisa para mudar uma vida. Mas foi.

Está tudo tão certo e errado. Por não entendê-lo, já não falo de nós. Não há nada que consiga acrescentar. Também não falo de mim. Não saberia como. Quando muito, falo dos corpos que em mim repousaram. Sim, quando muito, falo de mim nos corpos deles.

Mas não escondo, que no silêncio dos dias escuros, falo de mim em ti. Guardo as palavras, que só uso nessa ocasião, numa pasta chamada "Eu, Tu e o Mundo, como um Cancro em Nós".

Sabes, tudo deixou de ser puro. A doença alastrou. Já não sei como viver, entregue a este corpo esquecido e a este cancro que nos consome as entranhas. Tudo, em mim, deixou de ser sagrado.

Por respeito, não evocarei o teu nome em vão. E assim farei, enquanto vestir a camisola. Estou certa de que o silêncio é a melhor morada para os nomes puros.