maio 31, 2014

talvez porque enquanto não houver bem que encha nem mal que negue, a sede dos dias seja maior. em cada regresso, a casa parece mais pequena. em cada regresso é cada vez menos casa. não há espelho limpo de existir sem máculas. no espelho a claridade ou a escuridão. na claridade, a fidelidade. na escuridão, a impureza da imagem. na face, o gume dicotómico do ser em objecto. no sorriso, a parte discreta em sujeito. a casa não cresce pelo tamanho do espelho. a casa não enche pela clareza da imagem. não há bem que a encha, nem mal que a negue. e a sede dos dias tem a forma da lua num quarto que nunca o foi.

credo



creio-nos em almas escancaradas
de jangada que toma de assalto as ternuras e delícias que flutuam na desconjuntada periferia do tempo

como se ali estivessem estado sempre,
as ternuras e delícias,
revistas no tempo de sempre
em escassos cinco minutos 
                    (dos nossos)
mas não! 
terão passado quatro. ou teriam sido cinco mil? 
daquela unidade de tempo maior 
medida pela dança da Terra à volta do Sol
     [sim, confirmei no Google a definição de um ano 
                                           (dos homens)]
o tempo é-nos sempre tão confuso 
a memória comum e a arqueologia dos dias de agora estão guardadas na magia de um clique
talvez à matéria das almas escancaradas não lhe assista factos tão perfeitamente inúteis

mas só podem ter sido quatro, ou teriam sido cinco mil?
unidades de tempo maior, condensadas num minuto 
                                         (do nosso encontro)

preciso-nos em almas escancaradas de gigante
sem garantir que o trajeto da nossa luz ao vazio se faça em porções de 1/299792458 de segundo ou em qualquer outra fração

perfeitamente maiores, seremos, pois,
nos passos do nosso encontro
à razão de sermos próximos das coisas que não se tocam,
feitos em pormenores do reflexo das árvores concretas
que flutuam e descansam nas águas do rio
na perfeita liberdade de ser-plano
                         (à tona do mundo de Edwin Abbott)

creio-nos em almas escancaradas
tão claras e distintas de detalhes
na complexidade que se esbate nas coisas planas e mágicas
em plena liberdade de existência

foge-nos o vício 
da morbidez 
         (da que os homens se habituaram a querer viver)
e escolhemos a matéria etérea e fugaz para existir
em almas escancaradas ao sabor e aroma do perfume das chuvas

esgueiramo-nos, sensíveis, aos toques ímpios na água 
                 (os que dissolvem a magia da revelação)
e somos de tal infinitas maneiras
que só o poema nos poderá eternizar.

sim, creio-nos em poesia! 
sim, creio!

PLAY Fausto: O perfume das Chuvas

(Raquel, 1.março.2014)

maio 29, 2014

os assaltos são pela manhã. a frio. antes do banho que aquece o corpo. antes do banho que lava os despojos do assalto no corpo pela manhã. o banho consagra os despojos de corpo quente. os despojos repousam consagrados em templos de Júpiter Ferétrio. e é o intervalo de cinco minutos de avenida que nos espera à porta do templo. não entramos, mas descalçamos os sapatos. aguardamos o intervalo que nos espera de armas consagradas. o corpo arrefece na espera. o intervalo de cinco minutos de avenida não tem fim em tempo de se ver. a melancolia não pode entrar no templo por ser quente. o corpo já está frio. pronto para um novo assalto. calçamos os sapatos. mas entre o intervalo de cinco minutos de avenida e a próxima manhã parece existir mais do que um dia.



Herta Müller

"Aí, as crianças arrancam da terra os talos de erva com caules leitosos e sugam-nos como num jogo. E o que está em jogo é a fome. O crescimento dos pulmões para, o leite das ervas alimenta os dedos emporcalhados, as fiadas de verrugas. Não os dentes de leite, esses caem na mão ao falar. As crianças atiram-nos por cima dos ombros para trás das costas, hoje um, amanhã outro, para o meio da erva. Enquanto voa no ar, gritam:
   Rato, rato, traz-me um dente novo,
   que eu dou-te o velho.
   Só quando o dente se perdeu na erva em parte incerta, eles olham para trás, e chamam-lhe infância.
   O rato fica com os dentes de leite e cobre de azulejos brancos os seus corredores por debaixo do prédio. Dentes novos ele não traz." (p.50)

Herta Müller, "Já então a raposa era o caçador" (trad. 2012) 
"Paul escreveu um papel com a dieta recomendada para um cigano velho que teve alta do hospital. O homem não sabia ler. Paul leu-lhe o que estava escrito no papel. O homem não sabia ler. Paul leu-lhe o que estava escrito no papel. Estava também escrito CARNE DE COELHO. Não posso pegar nesse papel, disse o homem, o senhor é um cavalheiro, tem de me escrever outro papel. Paul riscou CARNE DE COELHO com um só traço, o homem abanou a cabeça. Isso continua aí escrito, o senhor é médico, mas não é cavalheiro. O senhor não compreendeu como dentro de si bate o coração. O coração da terra bate dentro do coelho, meu cavalheiro, é por isso que somos ciganos, por compreendemos, por isso temos de correr mundo" (pp. 39-40)

Herta Müller, "Já então a raposa era o caçador" (trad. 2012)

maio 27, 2014

PLAY Radiohead (Acoustic) Street Spirit 

"All these things we'll one day swallow whole
And fade out again and fade out again

Immerse your soul in love"

cantamos à boca cheia. ouvimos dizer que a infelicidade se cantada à boca cheia mingua. não entendemos a lógica. afinal não percebemos o quanto não gostamos de ser infelizes. esvaziamos a boca mas cantamos. no canto fingimos que a dor nos aflige. sabemos que nos consola e paramos de cantar, depois. rimo-nos da vida é bela. sabemos do punhado de beleza escondido na escuridão. a escuridão é nossa e o punhado de beleza também. sentimo-nos amaldiçoados pela magia do encontro. de olhos bem fechados e de costas voltadas fazemos figas pelo desencontro. provavelmente não sabemos como amar. sabemos que amar é ser simples. e choramos porque nos rimos, na simplicidade de estarmos e não sabermos o que somos, senão espíritos semi-livres, semi-aprisionados, na mesma borda de estrada. já não cantamos. não cantamos de boca cheia. não cantamos nem de boca vazia, porque não percebemos o quanto não gostamos de ser infelizes. murmuramos sempre em modo acústico, ao vivo, desprotegidos, sem rede, em cada encontro. e de costas voltadas continuamos a fazer figas pelo próximo desencontro.

Herta Müller


"O oficial despe as calças do uniforme e entrega-as à mulher, ela dobra-as e pendura-as no braço. Ele despe as cuecas e senta-se de pernas escarranchadas por cima da bacia, deixa-as cair sobre os joelhos e fica a olhar para os ladrilhos azuis por cima do espelho. O membro suspenso mergulha na água. Se os testículos se afundam, a mulher diz: está bem. Se os testículos boiam à superfície, ela chora e grita, esvaziaste-os a foder, até as tuas botas estão murchas. O oficial inclina a cabeça, entre os joelhos, observa os testículos a boiar, eu juro, diz ele, ó querida, eu juro." (p. 33-34)

Herta Müller, "Já então a raposa era o caçador" (trad. 2012)

maio 23, 2014

a conquista só chega à cintura 
desnecessária distância de corpo

entre o peito e a cabeça
tudo encolhe
a coragem repetida tolhe
há um beijo sem força capaz
de ímpeto irromper no silêncio

a conquista que não sobe da cintura
não transforma
não perdura

maio 19, 2014

quando nos zangamos é às segundas. segunda é o dia mais a jeito para nos zangarmos. segunda é dia de depurar os excessos do fim de semana. o dia de preparar uma nova semana de excessos e abusos. por isso, quando precisamos, paramos  às segundas. rasgamos alguns rascunhos ou, então, passamo-los a limpo. às segundas renovamos ciclos.

se um dia decidirmos não renovar, espero que não o façamos a uma segunda. segunda não é dia de criar ideias novas. segunda é apenas dia de as depurar. de as lipo-aspirar.

hoje é segunda. e hoje choveu. e a mala feita para a semana já me parece mais leve do que ontem.

Herta Müller

"Quando Clara pragueja, todas as coisas têm mãe". (p. 12)

"A criança invadiu com seu riso a última frase e o silêncio que se lhe seguiu. E os seus dentes pareciam gravilha, metade deles enegrecidos e os outros lisos e brancos. No rosto da criança lia-se uma idade que a voz de criança não suportava. O rosto cheirava a fruta estragada." (p. 14)

"Atrás de uma mulher caminha uma sombra, a mulher é pequena e inclinada, a sombra mantém as distâncias. A mulher atravessa a relva e senta-se num banco junto do prédio.
A mulher está sentada, a sombra fica de pé. Não pertence à mulher, como a sombra da parede não pertence à parede. As sombras abandonaram à sorte os objectos a que pertencem. Pertencem somente àquele fim de tarde, que já passou." (p.24)

Herta Müller, "Já então a raposa era o caçador" (trad. 2012)

maio 17, 2014

na hora certa criamos a dúvida razoável. questionamos as nossas certezas, a nossa capacidade de sobrevivência. usamos palavras da moda, como resiliência, para ajustar ao estado de espírito. e na incapacidade de criarmos amigos, criamos inimigos invisíveis, apenas para não darmos conta da solidão. 
e depois é esta urgência inaudita da pele na pele, da minha e da tua, entenda-se. a boa notícia é que o cão não morreu. apareceu meio combalido e à distância, a medo. ele sabe do rubor do encontro após as distâncias. mas seja a vergonha o mal maior. essa pelo menos diz das peles que se encontraram.

Rui Nunes

"vieste com sinais de antiga alegria. E vi que não tinhas sido mais do que um trajecto, o percurso onde te transformaras num estrangeiro. Mas o que amei em ti foi a possibilidade de todos os caminhos por onde poderias ter ido e onde sempre te reconheceria. Isso, antes de saber que o meu destino era a realização de uma morte antecipada
e depois? nós temos a consciência de que não somos génios, do assim assim que somos, aborrecemos algumas palavras e delas nos rimos, e dos directores gerais da cultura, seus mansos servidores, e de outros sábios que mijam e cagam como nós, de calças abaixo, sentados nas sanitas, sem espanto de Alexandre, aliás sem nenhum espanto, monocórdicos e graves, que têm no futuro um caixão de primeira e um epitáfio ou um poema em memória de." (pp. 46-47)

"não te podia odiar, e era esse o castigo, porque te tornaras indiferente como lugar nenhum, e o que havia em ti era anterior aos meus olhos, estavas como se ninguém nunca te tivesse olhado, na desatenção dos que não esperam nem concebem quem os espere, perguntava-me o que me tinha levado a construir-te com materiais tão precários e a resposta era a outra pobreza que era a minha" (p.49)

Rui Nunes, "Os Deuses da Antevéspera", 1990

Rui Nunes


"A boca é um útero estéril, receptáculo onde o futuro se extingue. Vêem os dedos a seda mais quente e os olhos a implosão da curva, arco que torna inúteis as palavras, as desfaz no pranto da saliva, matéria anónima onde nos respiram os outros. E ascendo pelo breve presente furioso, os músculos contraídos, e na tua boca deponho quanto de teu. O duplo aquário repleto de água original.

Dormir, é rápido. Mas a vigília, a grande construtora de idos


deste-me um murro na cara. E assim descobri os meus limites. Com precaução toquei a boca dolorida: era a minha, inchada, palpitante. Sentia-a pela primeira vez. Pediste-me: Bate-me. Respondi-te: não. E deixei-te perdido na recusa. Mas tu voltaste a agredir-me. E a pouco e pouco eu subia à minha integridade, à totalidade do meu ser. Percebia todos os sítios de mim e vivia essa plenitude com alegria

no entanto, depressa te apercebeste da minha felicidade e me obrigaste a atravessar o campo.

Se a meu lado me exigem a verdade, eu digo-a, mas o que digo é só a verdade exigida, aquela que é por ordem de quantos me fizeram a consciência e esperam hoje que eu cumpra como me estava reservado." (p.10)


"Recomeço. A vida é um instante dilatado à medida da vida" (p.13)


Rui Nunes, "Os deuses da antevéspera", 1990

maio 16, 2014

Florbela Espanca

PLAY X - Carminho - Tiago Bettencourt 
                   
                      X
Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o sol mais criador,
Mais refulgente a lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;

Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!

E abrir os braços e viver a vida,
— Quanto mais funda e lúgubre a descida
Mais alta é a ladeira que não cansa!

E, acabada a tarefa... em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!

maio 15, 2014

acordo no sono em alvorada,
             às mãos do nosso encontro.
creio no eco da tua voz
             em acalentar o estio da noite alta.

somos nós. nós somos em estio.
na noite alta onde somos, nós.

somos no vazio,
            por não podermos ser,
no encontro da voz da noite alta,
            onde ser não podemos.

acordamos no sono,
             em silêncio de alvorada,
             às mãos do nosso encontro.

ambos sabemos da noite.
aconteceu nascermos depois da hora,
no silêncio e no vazio, de fora,
momento exacto do sono feito estio.


maio 11, 2014

Auto-retrato


PLAY James: "Five-O"

Há uns meses atrás escrevi:

A atitude fenomenológica de quem se auto-retata, de quem procura desprender-se de si e entender-se à (na) sua imagem.
A atitude pornográfica de quem, sorrateiramente, fotografa e expõe o momento em que o si se desprende:
- do ser em "corpo e alma" e se assume sob a forma de imagem;
- do que é para passar, também, a ser na imagem que constrói de si.
Mas a imagem é só uma e ilustra apenas um momento. Quantos momentos são necessários para nos definirmos? Quantos momentos deveremos assumir para passarmos a ser? 
O que permite, então, a fenomenologia entender quando reparte em momentos, em auto-retratos momentâneos, o todo? De quantos auto-retratos necessitamos para construir o álbum da nossa vida e torná-lo a expressão do nosso ser, um ser que se quer uno, mesmo após tanta partição?
Quanto desse ser construímos em função desse álbum que vamos compondo? Quanto dele podemos manipular para passarmos a rever-nos na imagem do que queremos ser e parecer?
Do que somos feitos afinal? Do que nascemos e construímos?
Questiono os direitos de autor, do autor dos nossos autoretratos que queremos preservar, da imagem, em si, que queremos manter pura e intocável enquanto nos vamos (re)definindo... como pode esse autor, que somos nós, libertar-se deste labirinto fractal de quem desenha o desenho e se vê e (re)vê nele, em espiral infinita?
(9/01/2014)

Alguns meses depois...

A questão não se prende tanto com o "ser" ou "não ser", mas antes com o "ir sendo" ou "não sendo"!

maio 09, 2014

só se chora à noite, depois da cara lavada.
apenas e só à noite, de cara lavada.
só se chora à noite apenas e só.
sem ninguém para assistir.
e à noite só se chora entre o desmaquilhante e o tónico que antecede o creme hidratante.
apenas e só.
só se chora à noite, no silêncio.
apenas e só depois da cara lavada.

antónio franco alexandre



1.
ligeiramente suspenso pensei: nunca mais
poderei esquecê-lo, as longas, secas
estradas; os passos na água, nus,
e a perfeita esfera dos versos;
o instante em que o céu é redondo e
inútil,
são-me memória deste chãos, deste cuspo
espantado, no silêncio aberto das coisas.

mudo de rosto para ver-te. nenhum deus
te possui. o caule
do vento te cobre.
e descemos a luz, a transparência
os corredores solenes da lembrança
onde dormidas fúrias anoitecem.
confio na muda boca, ó gume fulvo
de ninguém!

as palavras existem no intervalo das palavras.
nenhuma imagem é o permanente futuro dos corpos
quando se enlaçam, quando se sonham
a colina e a água,
a cidade e o rosto
móvel da multidão apaixonada,
que se afasta correndo para o lado da terra
onde jamais arderam.
antónio franco alexandre
Segundas Moradas, 
in Poemas, pp. 299-300

maio 06, 2014

havia uma certa pedagogia que alimentava a ideia de que pensar muito sobre as coisas não só era a atitude correcta, como a que produziria felicidade... dei por mim a fazer uma "construção", um entendimento próprio sobre o amor, ou o conceito de amor... e de que é que isso me serviu? possivelmente para ter mais dificuldade em amar, achava eu que poderia amar melhor se o processo fosse mais consciente. tipo amar menos mas amar melhor.

e a dúvida que resta é se esta mensagem foi, ou não, gerada automaticamente, por um qualquer gerador de Spam.

maio 05, 2014

carregamos a existência todos os dias. todas as semanas, às segunda-feira,  insistimos na dieta. dizemos que hoje é que vai ser diferente. que tudo vai mudar. mas um espírito denso sofre de obesidade mórbida. não há banda gástrica que lhe resolva o excesso de peso.
mesmo assim não acabamos os dias à porta do cemitério. não abandonamos o corpo à espera do dia derradeiro no local mais prático aos donos do nosso cadáver. não desistimos. a internet está cheia de dietas milagrosas. benzemo-nos à Herbalife e à Depuralina... e afinal, daqui a pouco, é segunda-feira e tudo irá ser diferente. 

maio 03, 2014

chovam telhas de xisto em céus cinzentos 
e nasçam pés de sardinheiras rosas nos tectos mais próximos
eu olharei para tudo como se o fizesse pela primeira vez
não estranharei um mundo ao contrário.

profecia

PLAY radiohead · paranoid android

estranhei a ausência. pela primeira vez, em tempos que não sei determinar, mas vários, ele não se cruzou comigo hoje de manhã. será que o cão morreu?

se o cão não se cruzar comigo amanhã, amanhã ou amanhã, não poderei permanecer segura da sanidade que me resta. o mais certo é vir mesmo a enlouquecer, de uma vez.
o cão era louco. um louco mais louco a disfarçar a minha loucura.

a desordem de não me ter cruzado com o cão hoje já produziu efeitos. tudo o que sinto é tédio a correr nas veias. se o cão não se atravessar no meu caminho talvez a vontade seque de uma vez. e nem o Schopenhauer me poderá valer.

o esvoaçar da borboleta irá gerar o caos. eu sei. irei rebolar até secar e deixar de querer. e não mais a lógica da paixão será para o meu alcance, não mais.

se o cão não regressar, se o cão morreu serei desordem que endurece e se eterniza num corpo de vontades sem alma que o decore.

acho que o cão não irá voltar. acho que sequei a vontade. não há loucura que me reanime. não há cão que me acorde.

o cão morreu, e eu com ele, mesmo que o corpo insista em permanecer.


maio 02, 2014

poeiras

porque, às tantas, nem é uma questão de verdade. dessa até sabemos que não existe. quando muito é um problema de validade. de qualquer forma, a questão essencial reside na interpretação e não, propriamente, na existência.  interpretação mais ou menos acérrima. e talvez a dificuldade até nem seja a falta de flexibilidade na aceitação de diferentes interpretações. será tão somente a cegueira ou a teimosia existencial, de várias as partes, que dificultam o dialogo. a doença das pessoas que pensam, sim, a doença das pessoas que pensam muito é uma espécie de cegueira e teimosia existencial. mas talvez eu esteja errada, talvez eu pense demasiado. 

maio 01, 2014

só não revelo os 100tidos porque os desconheço!
não tenho nada de meu, menos ainda, na ordem das centenas.
SEMtidos e COMtidos?
serão!
mas meus?  com certeza que não!

POEMA CONCERTINA
(fole fechado)
poemaconcertina
(abre o fole)
POE M A C O N C E R TINA
(abre o fole mais um pouco)
P  O  E  M  A    C  O  N  C  E  R  T  I  N  A 
(abre o fole mais mais um pouco)
P   O   E   M   A     C   O   N   C   E   R   T   I   N   A  
(vá lá, assim não dá)

POEMA CONCERTINA
(por favor!)
anitrecnoc ameop
( :P nham nham nham nham nham :P)

assim, não há meio de (se) concertar!

PLAY


https://www.youtube.com/watch?v=tw8Ac06BWas
estava capaz de me cansar de ti
só para
           enfim
                     descansar
                                     um pouco

(volto já)

Parece-me que o cão é louco. Só a loucura justifica que atente a vida nas rodas do meu carro todos os dias de manhã, à mesma hora, ou não? O limbo de audácia e medo com que (não) se atenta à vida encerra em si alguma lógica de loucura? Ou porque cão é cão, sem uso de razão, nem a loucura lhe assiste?

Mas se a razão depende de um número de casos tornados regra, talvez sejam os dias a ser loucos e não, propriamente, o cão. Mas certo é que o uso da regra não se afigura evidente neste caso. Não tanto pela evidência, ou pelo caso, mas mais pela regra em si. Pelo significado de r e g r a e tudo o que isso implica. À lógica canina não se aplicam raciocínios dedutivos.

De qualquer forma, a minha alma arraçada a enguia também não ajuda a esta coisa de fazer dos casos lei. O padrão é difícil de encontrar em espíritos esquivos. E isso nada tem a ver com o cão. Já esqueci o cão. Quer dizer, esqueci-o por agora. Todos os dias ele faz questão de me lembrar que existe. Que existe na bravura de ser cão que arrisca a vida nas rodas do meu carro. E ganha, ganha sempre, aquele cão. Por isso não o posso esquecer. Enquanto ele existir posso sempre dizer que ele é louco. Posso sempre esquecer a minha própria loucura. É essa a regra que nos salvaguarda da loucura. Não perder de vista alguém mais louco do que nós. Regra, sim, definida entre o medo e o esquecimento.